Texto escrito e apresentado na disciplina "Geografia Aplicada ao Turismo" pela aluna Beatriz Figueiredo Neto Assis.
Na última sexta feira, dia 30 de novembro, assistimos
ao filme “Cópia Fiel”, dirigido por Abbas Kirostami e tendo como personagens
principais, Elle (Juliette Binoche) e James(William Shimell.
Durante a sua apresentação, alguns pontos
serviram como base para nossa análise, sendo que estes nortearam, em até certo
ponto, a nossa opinião crítica sobre o assunto e sobre o enredo.
O filme se inicia com a apresentação do
personagem masculino, como sendo um autor britânico que vai até a Cidade de
Arezzo para divulgar o seu livro. Nessa apresentação se encontra Elle, uma
mulher que juntamente com o filho pré-adolescente vai à palestra de James, mas
que rapidamente tem que ir embora, devido à insistência do garoto. No entanto,
antes de ir ela deixa um bilhete com o organizador do evento, onde pede para
que o autor a encontre no dia seguinte em sua galeria. Entre o espaço de tempo
entre tais acontecimentos, podemos observar a relação da protagonista com o
primogênito, que mesmo maduro para a idade, não consegue manter um diálogo
concreto com a mãe, que o trata com certa distância. Ainda nesse mesmo espaço de tempo,
conseguimos perceber traços da personalidade de Elle, uma mulher desleixada,
desorganizada, que gosta de viver em locais escuros e que demonstram a sua não
familiaridade com o ambiente externo.
O dia do encontro chega e James aparece na
galeria da mulher, e se assusta com o aspecto sombrio do lugar, tanto que
insiste em sair para tomar um café com esta. É a partir daí que a história
começa a se desenrolar.
Dentro do carro, os protagonistas conversam, e
o interesse da mulher no outro fica evidente, contudo, não é apenas isso que
fica evidente. É possível perceber que Elle não se sente pertencente à cidade,
mesmo vivendo lá há cinco anos, uma vez que não se identifica com os hábitos da
sociedade, e nem com a forma como esta leva e vê a vida. A paisagem, pouco a
importa, as belezas naturais e artificiais do local não chamam a sua atenção,
no entanto, quando o assunto é o trânsito, ou ainda a forma como tal pessoa se
comporta, a personagem parece criar uma barreira que a impede de aceitar o que
o outro diz, ou como a cidade funciona, visto que só consegue compará-la com a
sua cidade natal na França.
É no meio desse conflito interno, entre o
pertencer e o não pertencer, que a mulher tenta apresentar a cidade a James,
mas infelizmente não consegue, uma vez que as suas discussões o impedem de
apreciar a verdadeira arte. Pode-se perceber que no filme a paisagem natural
reflete a uma calmaria que só fica do lado exterior das janelas, uma vez que
dentro do carro, o clima é pesado. Contudo, nos breves momentos de visão, o
protagonista se depara com uma estrada cercada de campos abertos, verdes e
belos, e se surpreende com tamanha beleza.
Mesmo com tanto a oferecer, a paisagem deixa
de ser observada da forma que realmente merece, uma vez que a personagem
feminina não se identifica com ela, logo não tem interesse em divulgá-la para o
outro, mesmo James desejando o contrário. Tal ponto, entristece Elle que
percebe o desinteresse de James por suas histórias e seu ponto de vista, o que
serve apenas para distanciar os personagens.
Os personagens, que estavam no carro, durante
toda essa análise, param em um ponto turístico, onde o público alvo são os
noivos e os recém-casados, ou talvez pessoas que estão fazendo uma segunda lua
de mel. Assim que eles chegam ao local, a primeira coisa que o espectador pode
ver são as noivas que caminham em direção à igreja ou que saem dela, o que pode
ser entendido como um desejo, consciente ou não, de Elle em se unir ao homem.
Esse desejo, de se unir ou de ter aquilo que o
outro tem, se comprova durante todo o filme, uma vez que esta se mostra
nostálgica e triste sempre que vê outro casal alegre. É neste clima de amor e
festa, que os personagens, após terem sido confundidos como sendo um casal, entram
em um complexo jogo, que hora parece ser atuação (cópia), ora parece ser
realidade (original).
Agora, ambos são ou encenam ser um casal em
crise, que briga pelas coisas mais simples e que não conseguem manter uma
relação de proximidade. É nesse momento que o desejo de Elle no amor daqueles
que a cercam se mostra maior e mais claro, visto que essa está a todo o momento
olhando para os jovens apaixonados e se perguntando, internamente, o que deu
errado no seu relacionamento e o porquê
de ter dado errado. James, que a essa altura já é ou incorporou o marido, se
enfurece com a obsessão da mulher no amor e na felicidade dos outros, e isso
culmina em outra briga, dentro de um restaurante, após a “esposa” ter se
arrumado toda, esperando algo inesquecível.
O turismo no filme, não é abordado no sentido
de que os personagens viajam para lá com determinado objetivo ou motivação, mas
no sentido em que o turismo representa a visão, o desejo e os próprios
sentimentos da personagem principal, o que faz com que os turistas, o turismo,
e toda a sua cadeia sirvam como um reflexo interno da alma e da mente da
própria Elle.
O filme segue, mostrando que a distância entre
o casal continua, só que dessa vez, quem insiste em se afastar é a mulher, que
se encontra magoada e machucada pelas duras e brutas palavras e ações do
“marido”. Para finalizar, com chave de outro, e também para confundir ainda
mais o espectador, o longa mostra em seus minutos finais, que existe, ou
existiu, algum tipo de relacionamento entre os personagens, já que eles
conhecem os hábitos uns do outro, além de já terem viajado para aquele mesmo
local em sua lua de mel. Contudo, a grande dúvida fica para o fim, que retrata
um James indeciso e em conflito, que não sabe se fica ou vai embora para a
Inglaterra no trem das nove, e que termina por sair do banheiro, deixando a
questão no ar, uma vez que o filme termina assim.
Uma obra inteligente e perspicaz que pode
parecer maluca e sem sentido para uns, mas que é verdadeiramente brilhante.
Inicialmente, nos deparamos com uma mulher
fria e distante do filho, que aparenta ser imatura, louca, desleixada,
desorganizada, e em certos momentos até meio psicótica e essa opinião dura por
muito tempo, mesmo depois dela já ter se
encontrado com James. É durante as conversas no carro, que identificamos outra
característica da mulher, a de ser extremamente voltada para a visão original e
não simples da vida, além de perceber que essa está tentando impressionar o
homem, principalmente quando esta o leva para ver a pintura que poderia ser
referente à Mona Lisa.
Tal opinião se fortalece quando Elle começa a
fingir um relacionamento com James, pois aí, temos certeza de que ela não passa
de uma mulher louca e com uma imaginação muito forte, e até nos sentimos
solidarizados com o homem, que parece não entender a seriedade do problema da
mulher, em insistir que há um relacionamento entre eles. No entanto, quando
James começa a aceitar o papel, e se apresenta como um marido ausente e
rancoroso, a confusão entre o que de fato é encenação e o que não é, deixa-nos
confusos.
Qual seria então a verdade? Eles estariam
atuando, ou realmente eram casados? O filme deixa todas essas perguntas no ar,
fazendo com que nós, espectadores, sejamos forçados a criar a nossa própria
opinião, baseada em fatos verídicos ou não. Dessa forma, o diretor cria uma
rede complexa, deixando o dilema e as perguntas sem repostas, exatamente como
Machado de Assis no livro Dom Casmurro, onde a eterna questão “Capitu, traiu ou
não traiu?” fica no ar, esperando por algo que possa resolvê-la.
Inúmeras possibilidades podem surgir desse
convívio, mas a que consideramos mais reais foram: eles eram apenas duas
pessoas atuando ou eles realmente eram casados. Optamos por aceitar a segunda
hipótese, uma vez que a troca de ideias existentes entre os personagens é
óbvia, principalmente quando Elle afirma para a dona da cafeteria que o marido
se barbeava de dois em dois dias, e James mais tarde afirma isso. O que faz com
que indaguemos: Como ela poderia saber disso se não eram casados?
Acreditamos, porém, que a verdadeira afirmação
de que a atuação é a realidade, aparece no fato de Elle não querer revelar o
sobrenome do filho para James, e nem de querer divulgar o sobrenome deste para
os outros. Esta queria que ele fosse até ela de forma natural, sem saber de
quem se tratava, e com o sobrenome ele poderia identifica-la. Outro forte
indício é o hotel que eles disseram ter passado a noite, o hotel poderia ser
atuação também? Se fosse, como eles saberiam da existência do quarto?
Todos esses pequenos detalhes podem ser a
chave da questão. Mas, um fato que não pode ser ignorado é: E se todo o começo
não tiver passado de atuação e a realidade é aquele que ambos estão vivendo?
Tal questão quebraria e inverteria a ordem de tudo, o que, nessa lógica de
confundir do filme, poderia fazer todo o sentido.
Em alguns casos, no entanto, o filme pode ser
facilmente entendido, como no fato de Elle passar batom vermelho e colocar
brincos para se sentir bonita e para agradar a James, tal ato demonstra que ela
se preocupa com a aparência, o que também serve para desmentir a opinião que
tínhamos no começo, sendo que isso pode mostrar que o começo não era real.
Por fim, acreditamos que James foi de fato
para a Inglaterra no trem das nove, pois para ele ficar teria que mudar o seu
estilo de vida, mesmo que fosse somente à relação em fazer a barba, contudo,
antes de sair do banheiro ele não a faz, o que dá a entender que não pretende
mudar o seu estilo de vida e nem se dar bem com a mulher.
O que torna o filme tão incrível e inteligente
é o fato de o diretor desenvolver a nossa própria linha de pensamento,
afirmando que o que importa é a observação da obra, e não essa em si, coisa que
a todo o momento os protagonistas discutem. Além disso, a atuação de Juliette
Binoche faz com que o longa tome proporções maiores, devido a sua belíssima
interpretação.
James: “Receio não haver nada de
simples em ser simples”.
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